Não foi como num dia qualquer, teve essa vez que foi mais forte, ou mais intenso… Não sei, mas não foi como num dia qualquer.
O trânsito tava como sempre, para, anda, para, anda… interminável. As buzinas vociferavam palavrões que os motoristas não tinham coragem de gritar por suas janelas fechadas do ar-condicionado (condicionado como o próprio dono do carro).
Passei entre os carros, compreendendo cada um, com suas pressas e suas vidas… a gente se junta no ódio ao dia a dia, na reclamação pelo trânsito…
O farol fechou!
Parei, desengatei, cruzei os braços… então ouvi alguém chorar, primeiro baixo, como que se escondendo, mas os soluços ultrapassavam a nossa tendência de ignorar, era impossível, tínhamos que olhar aquele homem.
Seu carro morreu, um desses carros cinzas sem alma, e ele com as mãos sobre os olhos murmurava que não podia mais, que era ali que ficaria.
Seu celular tocava, mas ele não atendia (como ficamos reféns do celular, sempre mais importante que qualquer outra coisa que aconteça).
O farol abriu!
A comoção dos motoboys se dissipou com o verde do farol, eu fiquei pedindo pros carros o ultrapassarem. Ele murmurava contra o carro novo, a conta, o celular, a mulher com quem era casado a anos e mal conhecia… e chorava. Acima do farol, do carro, das lamúrias, ele chorava. De um jeito com a vida adulta nos fez desaprender, chorava como um garoto, soluçando alto, o nariz escorrendo…
O farol fechou!
Não era um dia qualquer…
O farol abriu!
Outros carros paravam, pessoas desciam, faziam menção de xingar (alguns xingavam de fato) mas paravam e calavam-se diante daquele homem chorando. Outro motorista chegou mais próximo a ele e tocou seu ombro, o homem recostou sua cabeça sobre a mão desse motorista e continuou chorando. O motorista passou a mão sobre os ralos cabelos que ainda resistiam na lateral de sua cabeça…
O farol fechou!
Alguns foram indo embora, incrédulos, o farol abriu e fechou diversas vezes. O homem que chorava não chorava mais, pedia desculpa, respirava fundo enquanto olhava enternecido ao motorista que o ajudou. Este apenas lhe sorriu de volta, voltou ao seu carro e todos seguiram seu caminho…
O farol abriu!
Andei umas quadras próximo ao carro do homem que chorava, mas tive que acelerar mais, levantei a viseira do capacete e deixei o vento secar as lágrimas.
Não foi um dia qualquer, porque um cara precisou de uma afago e o teve e eu entendi alguém que chorava… e não conhecia.
O farol fechou!