Gradiente no volume 12

24/12/2011 Sonhos Viciados

Acho que o problema dela é que ela fumava muita maconha, de certo que na época eu não dava a mínima. Na verdade era pra isso que tantas vezes ia encontra-lá. Era uma casa, dessas sem garagem, uma porta dividia a rua da sala. Um sofa aos pedaços, uma estante com TV e livros, esse era as boas vindas de suas casa. Ela estava aprimorando a técnica de plantar seu próprio fumo. Sempre frisava quando eu começava a encher o saco.

– É cultivo hipodrônico, tipo alface de saquinho que você compra no mercado.

E pois sim, na lavanderia tinha uma bela plantação dessas Acabei não aprendendo nada de fumo e muito menos de plantio. Sempre achei mais interessante seu quarto e nem foi pelas horas que perdemos ali, mas era naquele recinto de paredes verdes que ela guardava seus discos e um daqueles aparelhos Gradiente que toca de tudo, saca? Vinil, K-7 e, a ultima invenção da época, CDs.

Acho que foi isso, a música era o nosso barato. Ela acendia um novo teste diretamente tirado dos tubos de PVC da lavanderia e iniciávamos o ritual. As tantas vezes acabamos sedendo o calor natural da nossa idade e faziamos o que devia ser feito no quarto.

O meu prazer é loucamente aguçado, são tão tentadoras suas formas de se expressar. Agora falo no presente, pois é atemporal a fascinação que ela acendia nos homens. Sua combinação predileta eram as camisas que se sobrepunham as regatas brancas, uma infinidades delas. As regatas tinham a esperteza de sempre revelar um volume mais desinibido de seu seio que vencia o algodão branco. Completava sempre com um coturno discreto, meias brancas e quase sempre shorts. De todas as cores e se hoje falo mais que dois tons de azul é devido aos shortinhos dela. Inho, suas pernas sempre venciam o tamanho das suas escolhas.

Agora me permito sorrir, aqueles sorrisos tristes de saudade

Mas nosso barato era outro, lembra? Sempre caímos em discussões pra lá de alucinantes no embalo do mesclado ou acabavamos nos divertindo com as nossas diferenças. Quase sempre eu levava discos pra ela conhecer, mas no fim ela que me mostrava coisas novas. O Gradiente no volume 12, foi minha aula de rocksteady para chapar e um ska 2tone pra ela falar dos seus romances mais doidos que nossas tardes de marijuana.

Ela me achava um romântico, coração mole, cheio de cafonices e eu a achava uma maluca despudorada, que ia de cara em cara tentando achar um punhado de vida.

Não sei ao certo se durou muito ou pouco, mas em algum dezembro ela me disse, com sua ironia muito própria, que tava voltando pra casa da mãe lá no interior de Minas, parece que a familia tava ficando preocupada com o estilo de vida que ela tava se metendo. Disse a cidade, mas já não me lembro. Só ficou registrado o jeito que ela ironizou, com direito a trilha sonora, tocava Selecter.

Ela disse que no fim eu nunca mais voltaria a seus braços…

Nos despedimos sem muito se importar em quem era propriedade de quem, naquele dia o Gradiente ficou no volume 14 e conversamos como se nada viesse a ocorrer.

Um cara entre vielas cheias de gente e ônibus lotado. Que se perde em alguns bares e se põe a ver a velocidade dessa gente. E rir da estupidez dessa lógica.

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