Limpou a boca na manga da camisa puída
Olhou o céu cinza e sentiu as gostas da garoa
Sentou-se sobre o meio fio com os pés na sarjeta
Deixou-se sentir o frio, escarrou e baixou a cabeça
A água suja que agora escorre livre pela rua
Parece a lágrima suja que escorre por seu rosto
Passou da fase de sentir saudades ou desgosto
Sente agora apenas fome, frio, sono e abstinência
Não percebe que suas conversas já são sem nexo
Percebe os pés descalços pisando o gelado asfalto
Discute aos berros com o poste onde cambelando bateu
Mas sabe que precisa de cada centavo que possa pegar
Conta tudo pela metade e abruptamente sai andando
Ri alto das palavras do pastor que prega no meio da praça
Nunca tira as roupas, vai colocando as que ganha por cima
Não dorme pensando em amanhã e hoje não sabe o que queria
Ele vagueia sem lados entre a loucura e a lucidez
Dança em cada lado com a destreza de um bailarino
As vezes existem para olhar nossos carros e lavar parabrisas
Deixam de existir quando os vemos largados no frio da madrugada.
Perdeu o fio da meada, da conversa e da vida
A fome é um monstro que lhe ataca a barriga
Sonha? Não sabe ou não lembra… como saber?
A realidade é um pesadelo do qual não se acorda
O escape pode ser o Duelo, o cachimbo… o morrer
Deitar na calçada e quem sabe nunca mais levantar
Vive os minutos, não os dias ou os anos
Tudo é imediato, tudo é pra agora ou nunca
Ele se perdeu? Ou será que nós o perdemos?
Emergidos em nossos mundos paralelos
Eu vi um deles e parei para ouvir suas lamúrias
Me perdi em suas histórias e não sei repetí-las
Na praça no frio todos se tornam apenas um
E cada um é um abismo cheio de dor e lembranças
Nós o chamamos de mendigos, moradores de rua
Lhes tiramos sua humanidade, para nos sentirmos melhor
Sabe aquele homem com o rosto sujo, com cheiro ruim?
Que lhe pede um trocado e te assusta? É uma pessoa.